quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Diário de bordo

Parte 1
Era uma manhã cinzenta, e a cidade hoje me parecia menor do que nunca, perto do mundo que eu estava prestes a descobrir. A certeza de que meu destino não estava ali, neste momento, era mais forte do que antes. Tínhamos que partir, era nosso destino.
As bagagens já estavam no trem, o apito já soava e algumas lágrimas já brotavam dos olhos dela.
Aquele rosto tão familiar, aquelas lágrimas que eu vi por tantos anos em seu rosto, hoje choravam por mim, mesmo sabendo que aquela era a única saída.
"Adeus mãe, eu volto logo!"
Ela sabia que não era verdade.
Chris pegou minha mão, como se quisesse me lembrar do porquê de tudo. Alice já não estava mais em si, já não tinha mais emoções, simplesmente estava ali. Embarcamos juntos, aquele adeus era pra sempre, eu sabia disso, todos sabiam. E foi o que restou.

Parte 2
Sentamos os três juntos, não havia como disfarçar a tensão, os pensamentos em nossa mente eram os mesmos, mas nenhuma palavra foi dita.
Eu ficava remoendo meu passado, tentando buscar algo bom do qual me recordar, mas não havia nada ali.
Eu nasci e fui criada naquela pequena cidade, meus pais sempre discutiram desde que eu me lembro, mas aquele dia foi o pior.
Papai tinha bebido demais, de novo, e a sua amante estava esperando no carro. Quando ele entrou na nossa casa, tive a certeza de que aquele poderia ser o fim.
Ele falava alto, usava palavras duras, mas mamãe já estava acostumada. Ele queria dinheiro, muito dinheiro. Ficou muito enfurecido quando não conseguiu, tirou a arma do cinto, ele ia matá-la. Alice se jogou na frente de mamãe, decidida a protegê-la. Chris desceu as escadas correndo, e se lançou em cima de nosso pai, como se ele fosse seu pior inimigo.
Naquele momento, Chris estava pronto para descontar toda a raiva, todo o ódio que ele sentia daquele homem. E foi o que ele fez. Não havia mais nada a perder.
A moça ruiva que estava no carro chamou a polícia, e logo estavam á nossa porta. Como já sabiam de tudo, nem precisamos explicar o porquê de tantos machucados no rosto de papai e nem motivo pelo qual havia uma arma jogada no chão ao lado dele.
Levaram-no para o hospital, e nós três subimos para fazer as malas. Já não suportávamos mais aquela vida, era impossível continuar ali, precisávamos ir, neste momento, não havia mais tempo para pensar.
Infelizmente mamãe não quis vir conosco. Ela não conseguia imaginar sua vida de outra forma a não ser naquela cidadezinha, morando na mesma casa, e convivendo ao lado daquele crápula, o qual ela pensava ter a obrigação de cuidar e proteger até o fim da vida de um dos dois.
Nós já estávamos preparando essa “viajem” há algum tempo. Havia uma tia, irmã de mamãe, que morava em uma cidade grande. Nós íamos procurá-la, a vida talvez fosse melhor ao lado dela.

Parte 3
Nós nunca passamos fome, nunca fomos pobres, mas também não tínhamos tantos bens, digamos que a nossa era uma família de classe média.
Até alguns instantes atrás, morávamos todos juntos em nossa casa. Alice, minha irmã mais nova e talvez por isso a mais frágil, sempre tentando nos proteger quando na verdade ela é que precisava de proteção. Chris, meu irmão mais velho, que sempre exerceu o papel de pai para nós, o braço direito e esquerdo da mamãe. Mamãe, a nossa heroína superprotetora - com razão, pois haviam muitos motivos pra que ela nos protegesse. Papai, que na maior parte do tempo estava bêbado demais pra fazer parte de algum momento importante. E finalmente, eu, Samantha, a filha do meio, quem segurava as pontas, quem estava no meio de todas as brigas, muitas vezes o motivo delas. Mas sobre mim eu posso refletir depois.
Em termos éramos uma família comum. O nosso maior problema eram as crises do papai. Ele se descontrolava, gastava tudo em jogos e bebidas nas casas noturnas, dormia com várias mulheres, voltava pra casa mais fora de si do que nunca, batia na mamãe, mas ela nunca deixou que ele nos tocasse, ela suportava tudo aquilo por nós, os filhos que ela tanto amava, por quem ela lutava pra que tivessem mais chances do que ela, pra que tivessem escolha. Realmente, escolhemos o melhor para nós, mas me preocupava o que aconteceria com ela.

Parte 4
         Eu olhava pela janela, a paisagem era bonita. A essas alturas o sol estava brilhando forte.
         Alice estava dormindo, Chris olhava pra ela como se sentisse dor, como se pudesse ver o pesadelo em sua mente.
De nós três, ela com certeza era a mais afetada. Ela ainda tinha esperanças de viver em uma família feliz como as outras que ela via na televisão.
Eu entendo Alice, me lembro do tempo em que eu pensava assim, mas depois de dezessete anos vendo as mesmas cenas se repetirem quase que diariamente, eu nem consigo imaginar nossa rotina de outra forma.
O silêncio entre nós era ensurdecedor, era como se eles pudessem ouvir cada palavra em meus pensamentos. Eu decidi que era hora de acabar com isso.
“Chris, você acha que quando voltarmos, a mamãe... vai estar bem?... Eu me refiro á...”.
A dor de imaginar o que eu sabia que ia acontecer era terrível. Era como se eu estivesse levando o tiro que papai não havia dado naquela noite em mamãe – mas que com certeza arranjaria um jeito.
Senti que ele não conseguia digerir minha frase inacabada, e quando ele enfim resolveu falar alguma coisa, um fiscal entrou em nossa cabine pedindo as passagens. Foi o fim daquele assunto.
Já passavam das nove, mas eu ainda não estava com fome. Mesmo assim, eu saí pra comprar algo. Talvez Alice quisesse comer algo ao acordar.
Olhei para aquela vitrine, cheia de porcarias que todo adolescente adora. Lembrei das vezes que saíamos com a mamãe, só nós quatro. Coisas cotidianas, como ir ao supermercado, eram tão divertidas. Mas tudo acabava quando papai aparecia.
Quando voltei, Alice já estava acordada. Realmente eu estava certa, ela disse que estava com muita fome. Chris comeu um pouco junto com ela, só pra lhe fazer companhia na refeição. Eu não conseguia nem pensar em comer, havia algo se revirando em meu estômago. Provavelmente era o medo.
Nós saímos de nossa casa em Dows no estado de Iowa, e iríamos para Des Moines, a capital. Mas faríamos uma parada rápida em Ames.
“Eu acho que já estamos chegando a Ames garotas. Logo vamos parar. Mudem essas caras de sono.”
Disse Chris sorrindo. Ele sempre nos alegrava, mas eu via em seus olhos a mesma angustia e tristeza que eu estava sentindo.
Alice foi até o banheiro lavar o rosto, eu fiquei ali sentada, olhando pela janela. Faltava pouco agora, logo estaríamos em um lugar desconhecido, em um mundo completamente novo. Meus pressentimentos não eram bons.


Parte 5
Descemos do trem, Ames não era tão grande - se fôssemos comparar a Des Moines, mas para nós, que nunca havíamos saído de Dows, aquilo parecia um universo inteiro.
Havia muitas lojas, com todo tipo de coisa que se pudesse imaginar. Eu me senti um pouco zonza com tantas pessoas passando, como em um formigueiro de humanos.
“Chris veja! São lindos!” – gritou Alice correndo de encontro a uma loja de vestidos.
Realmente, eram incríveis! Mais do que eu um dia poderia ter sonhado.
Chris estava tenso. O mundo ao redor dele era tão diferente, tão imenso e desconhecido. Era como se houvesse perigo em cada olhar. Vi que ele estava com uma sensação de ser necessário nos proteger de tudo. E eu me sentia completamente abandonada.
“Vamos garotas! Já caminhamos o suficiente. Logo o trem irá partir, é só uma parada rápida.”
“Chris, não se preocupe- murmurei pra que Alice não nos escutasse. Deixe que ela se distraia um pouco.”
Ele assentiu, e ela continuou maravilhada com tantas lojas e tanta diversidade.
Quando enfim voltamos ao trem, Alice havia comprado uma blusa linda, azul claro. Disse que daria de presente a mamãe assim que a víssemos de novo, pois era cor preferida dela.
Chris me fitou com tristeza, eu entendi o que ele queria me dizer, e também senti o mesmo.
Dali em diante, durante a viagem, Alice era a mais animada. Parecia que ela havia esquecido que não estávamos de férias. Mas eu não queria lembrá-la.
O que me preocupava agora era como íamos encontrar nossa tia, e como ela iria nos receber. Mamãe havia mandado uma carta pra ela, mas ela não respondeu. Será que era um bom sinal? Não sei.
Só iríamos saber ao chegar.

Parte 6
         Logo o trem iria parar. Nós estávamos nervosos, todos muito tensos. Eu sentia algumas lágrimas querendo escapar, mas segurei. Eu preciso ser forte, preciso ajudá-los.
         Lembro-me do que mamãe dizia. “Não chore por bobagens, tenha atitude de mulher, segure sua tristeza. O mundo não precisa de mais pessoas fracas, seja forte o suficiente, você consegue.”
         Ela sempre me ensinou tantas lições, sempre me compreendeu, mas eu estava sozinha agora, este era o mundo para o qual ela me preparou. Era a hora de pôr em prática tudo o que ela havia me dito.
         O apito soou, e o trem foi parando aos poucos. Era o fim de nossa viagem. O início do completo desconhecido. De agora em diante eu iria descobrir se realmente aprendi tudo que mamãe ensinou.
         Descemos do trem, pegamos nossas malas e fomos até a saída da estação. Agora, só tínhamos um endereço, e um nome.
“18th Crocker Street, 5882. Des Moines, Iowa. Tia Abigail Madison”.
Nós não sabíamos nem por onde começar a procurar.
         “Acho melhor pegarmos um táxi. Nós temos um endereço, o motorista pode nos levar até o local correto.” – Como sempre, Chris sabia o que fazer.
         Estávamos indo até um carro, quando um homem gritou o nome de Chris. Nós olhamos para trás, e ele veio em nossa direção. Não fazíamos a mínima ideia de que poderia ser aquele sujeito. Estava longe demais, mas mesmo assim nada nele me era familiar.
         “Quem é esse sujeito?” – disse Chris num tom apreensivo, quase que com pânico na voz.
         O medo me tomou. Será que papai teria coragem de mandar alguém atrás de Chris, pelo que ele fez naquela noite. Eu não sabia o que pensar, minhas pernas estavam trêmulas. Alice contornou seus braços em minha cintura, Chris se colocou um pouco mais a nossa frente, num impulso de proteção, mas eu sentia seu medo. Qualquer coisa podia acontecer.

Parte 7
         O homem parou de frente para Chris, muito próximo. Eu percebia em seus olhos um misto de espanto e euforia, como se conhecesse Chris há muito tempo. Eu vi que estava certa.
“Chris, meu Deus! Como você cresceu rapaz. Andou comendo fermento? Tenho certeza de que não faz ideia de que eu seja não é?!” disse ele com muita empolgação na voz.
“Há algo de familiar em você, mas eu não consigo me lembrar” Chris respondeu um pouco menos tenso, como se a lembrança do homem fosse boa.
“Sou seu tio, Ben! Ah, mas é claro que você não se lembra, da última vez que nos vimos ainda nem conseguia caminhar! E veja agora como está enorme!”
Os olhos de Chris brilharam de satisfação. Eu me lembrava de mamãe falando sobre Tio Ben, Chris com certeza também lembrava.
Os dois se abraçaram, em meio a gargalhadas. Aquilo foi como tirar o mundo das costas de Chris. Agora ele se sentia confiante. Tudo havia dado certo.
Tio Ben nos levou até a casa deles. Alice e eu conhecíamos somente Tia Abigail Madison, a qual nós chamávamos de Mad. Quando ela nos visitava em Dows, sempre nos contava que o Tio Ben não podia vir, por causa de seu trabalho. Ele era chefe dos bombeiros de Des Moines, poderia ser chamado a qualquer momento. Viajar dificilmente estava em seus planos.
Nós nunca havíamos visitado a casa de Tia Mad, mas era exatamente igual á que ela nos mostrava nas fotos. Uma casa azul claro, com enormes janelas brancas. Eu imaginava que aquela casa devia ser muito aconchegante, mas quando entrei, vi que era muito mais. Era como se fosse um abrigo seguro, um lugar aonde eu poderia me proteger, não só das coisas que me dão medo por fora, mas de tudo que me atormenta em pensamentos.
Era quase que como entrar no céu.
“Uau, que casa gigante!” Alice, tanto quanto eu e Chris, estava deslumbrada com o tamanho e a beleza da casa.
“Oh garotas, que saudades. Chris, você não vai parar de crescer?!” Tia Mad entrou na sala, trazendo mais alegria ao ambiente. Deu-nos um abraço forte, numa recepção calorosa. Disse que logo o almoço estaria pronto, e pediu ao Tio Ben que nos acomodasse em nossos quartos.
Era incrível como tudo parecia bem naquela casa. Tão diferente de Dows, onde o clima sempre era tenso, e eram raros os momentos de descontração. Talvez eu ainda estivesse estranhando tantas mudanças, mas meus pressentimentos ainda não eram bons. Sentia como se algo fosse acontecer a qualquer momento. Mas talvez fosse só o medo de ter tanta alegria.

Parte 8
         Havia um quarto para cada um de nós, tudo preparado para nossa chegada. As roupas de cama estavam impecáveis, os quartos muito arrumados. Eu não sabia que tia Mad estava esperando nossa visita com tanta ansiedade. Assim que coloquei minha mala em cima da cama ela entrou no quarto.
“Samantha, querida. Posso falar com você um instante?” ela disse com um tom calmo e acolhedor. Um leve sorriso em seus lábios. Me lembrava muito mamãe, quando queria me fazer sentir bem.
“Claro Tia Mad! O que houve?”
“Sei que não vai ser fácil essa mudança de ambiente, percebi também que Alice talvez não tenha compreendido muito bem o que está acontecendo.”
“O que eu gostaria de lhe dizer, é que vocês podem ficar aqui todo tempo que for preciso minha querida. Sei que você e Chris estavam ajudando Caroline com as contas. Ela me contou na carta que vocês estavam sempre preocupados com isso. Tente não pensar mais nessas coisas, eu já mandei algum dinheiro á ela, e tenho certeza de que logo vamos convencê-la a vir morar aqui conosco!”
Parece que ela sabia exatamente o que eu precisava ouvir. Tudo que havia acabado de dizer me libertou de um peso imenso. Eu estava preocupada com mamãe, não fazia ideia de como ela ia se virar, agora que eu e Chris não estávamos lá!
Tínhamos um emprego numa lanchonete. Chris trabalhava na cozinha, e eu ajudava a servir as mesas. Sabe... eu gostava daquele lugar. Os donos nos consideravam quase que da família. Sabiam de nossos problemas – assim como todo o resto da cidade. Mas mesmo assim, nos acolhiam e prestavam ajuda sempre que precisávamos.
“Obrigada Tia Mad, nem sei o que dizer, confesso que ficamos com medo, não sabíamos se você havia recebido a carta, porque não tivemos resposta...”.
“Como assim Samantha? Eu sempre respondi á todas as cartas de sua mãe. Ela me avisou que vocês viriam, eu respondi á ela dizendo que não havia nenhum problema, que vocês poderiam ficar aqui todo o tempo necessário!”
Ela disse aquilo tão rápido e com tanto espanto que eu quase não compreendi. Senti no seu tom de voz agonia e medo.
“Mas Tia Mad, nós não recebemos nenhuma resposta sua, com certeza mamãe teria nos avisado!” eu estava apavorada, passavam muitas coisas na minha cabeça, eu não sabia o que pensar! Mas nada do que eu imaginei era bom. Ela logo percebeu que eu havia ficado horrorizada com a possibilidade de papai...
“Calma querida, talvez a carta tenha chegado só agora, você sabe como é demorado ás vezes!” sua voz novamente tinha um tom suave, mas eu sabia que aquilo era só pra me acalmar, nem mesmo ela acreditava no que estava dizendo.
Eu sabia que a alegria estava grande de mais. Não que eu seja uma pessoa pessimista, mas a minha realidade me ensinou a ver as coisas de uma forma cuidadosa.
Eu precisava descobrir se mamãe realmente havia recebido a carta. E se não, precisava saber o que aconteceu.

Parte 9
         Tia Mad saiu do quarto ainda pedindo pra que eu ficasse calma, e esquecesse esse assunto por enquanto, pois ela resolveria tudo. Claro, fácil falar. Mas como eu poderia esquecer? Me parecia muito estranho tudo isso.
         Depois que ela fechou a porta, eu ouvi seus passos descendo as escadas, e então fui correndo para o quarto onde Chris estava. Contei á ele o que tinha acabado de constatar, e pela expressão em seu rosto, ele pensou o mesmo que eu. Disse que assim que tivesse a chance, voltaria para Dows, para ver como mamãe estava, e trazê-la pra cá, mesmo contra a vontade dela.
         Eu disse que queria ir com ele, mas então ele lembrou-me de Alice. Eu consenti, e aceitei ficar.
         Ele iria logo, pois nem desfez as malas. Não sei o que Tia Mad, e Tio Ben iam pensar disso. Mas com certeza não iriam impedir.
         Descemos para a cozinha, vinha um cheiro ótimo de lá. Desde que saímos de Dows eu não havia comido nada, e já passavam das 13:00hs. Eu estava com muita fome e Tia Mad havia nos preparado um almoço incrível.
         Depois de almoçarmos, Alice e eu ajudamos com louça, enquanto Chris e Tio Ben foram conversar na sala. Eu tentava prestar atenção ao que eles falavam, mantinham umas caras sérias, procurei um pretexto para ir até lá. Disse á elas que ia buscar umas fotos para vermos.
         Passei pela sala, e eles se calaram, Chris me lançou um olhar, e assentiu com a cabeça. Aquele gesto respondeu todas as minhas dúvidas.
         Entrei em meu quarto, e comecei a revirar minhas coisas atrás de alguma foto, qualquer que fosse só para mostrar a Tia Mad. Logo Chris chegou, e começou a falar num tom muito baixo, que eu quase não pude entender:
         “Arrume uma muda de roupas, e venha comigo. Vamos sair hoje á noite, e voltamos pela manhã! Tio Ben também está preocupado.”
         Ótimo, agora sim eu estava bem pior. Mas ao menos veria mamãe. Essa viagem promete! O que será que aconteceu com as cartas de Tia Mad? E como será que papai está? Sabe aqueles pressentimentos...

Parte 10
         Peguei uma foto que sempre levava na carteira, e desci para mostrar á Tia Mad e Alice. Pareceu-me que elas nem mesmo desconfiaram.
         Conversamos um pouco na cozinha, Alice e eu contamos á Tia Mad tudo que havia acontecido nesses últimos meses que não nos falamos. Relembramos a noite anterior. Isso fez com que Alice caísse na real, o que a deixou muito abalada. Tia Mad preparou-lhe um chá, e ela foi descansar.
Nós ficamos mais um tempo na cozinha, e assim que ficamos sozinhas, Tia Mad alertou-me:
“Não gosto nada dessa história de você e Chris voltarem a Dows, mas infelizmente não posso nem devo impedi-los.”, dizia ela num tom extremamente preocupado.
Eu percebia a angústia em seu olhar, mas no fundo, ela também queria isso. Sua irmã estava realmente precisando dela, e naquele instante, ela nada podia fazer á não ser deixar que fôssemos ajuda-la.
“Escute Samantha, preste atenção em tudo! Não saia de perto de Chris. Sinto muito medo de que algo possa acontecer com vocês!”
         Eu não disse á ela, mas eu sentia a mesma coisa.
         “Tia Mad, não se preocupe. Amanhã estaremos de volta, e se tudo der certo traremos mamãe. Então sim, teremos uma felicidade completa. Vamos reconstruir nossas vidas. Alice vai ter a família que sempre quis!”
         Eu subi até meu quarto, peguei minha bolsa e coloquei apenas algumas peças de roupa, deixei tudo preparado. Fui até o banheiro, liguei o chuveiro, e deixei a água correr. Minhas lágrimas se confundiam com a água que caía sobre mim. Fiquei ali por alguns instantes.
Ao menos neste momento eu não tinha que ser forte, eu não precisava ser o porto seguro de ninguém. Por alguns minutos, eu poderia surtar, mostrar a fragilidade que eu tanto busquei esconder.
Quando finalmente saí do banho, me sentindo um pouco mais calma, senti que realmente precisava dormir. Eu já não suportava meu peso. Deitei, e fiquei pensando em mamãe. O que ela estaria fazendo agora. Logo fiquei inconsciente, no mundo dos sonhos seria mais fácil esquecer os problemas.

Parte 11
         Eu me levantei da cama lentamente, me sentia sonolenta. Ouvi algumas vozes e pareciam vir da sala. Quanto tempo será que eu dormi. Desci as escadas, e uma das vozes me pareceu conhecida, sim era ela! Mamãe estava ali na sala, sentada no sofá. Todos riam e falavam alto.
“Mamãe, você veio! Chris como você a trouxe? Nós não iríamos juntos?”
Neste momento um homem entrou pela porta da cozinha. Todos ficaram calados olhando para mamãe. Eu saí correndo ao encontro dela. O homem puxou uma arma da cintura e atirou.
Eu queria gritar, mas não conseguia. Minha voz simplesmente não saía. Todos olhavam mamãe caída, mas ninguém fazia nada. O que estava acontecendo?!
Ouvi alguém me chamando, acordei assustada. Senti meu rosto molhado, eu estava chorando. Chris estava ao meu lado, segurando minha mão.
“Samantha, você está bem? Relaxe, você estava sonhando.” Chris tentava me acalmar.
“Chris... eu vi mamãe, ela estava aqui. Mas alguém atirou e...”, eu estava em pânico. Não tinha me convencido de que aquilo era um sonho, parecia real.
Chris me abraçou, e eu chorei em seu ombro. Alguns instantes depois eu já estava bem.
“Você estava se mexendo muito, e chorando. Eu tentei te acordar se assustar, mas... Enfim, agora você está bem. Precisa levantar, nós vamos sair logo. Venha Samantha!” Chris pegou minha mão, me ajudou a levantar. Ele me deu um abraço forte, eu já estava mais calma.
Apesar de não ter dormido direito, ainda assim eu me sentia um pouco mais descansada. Já não estava tão tensa, mas nossa viagem me preocupava.
Tio Ben nos levaria á estação daqui a pouco. Logo estaríamos no trem de novo. Eu peguei minha bolsa e desci as escadas.
A noite estava bastante escura, a lua não aparecia no céu. Chris estava sentado no sofá, com uma pequena mochila ao seu lado. Ele fitava a janela sem ver, estava tão longe que nem me viu chegar. Aproximei-me devagar, para não assustá-lo.
“No que está pensando?”
Ele me olhou, e sorriu levemente.
“Daqui a pouco mamãe vai estar aqui, e tudo isso vai acabar. Não vejo a hora de esquecer todo esse passado!”
Era o mesmo que eu queria, mas eu não estava tão confiante quanto ele.

Parte 12
         Tio Ben abriu a porta e sentou-se a nossa frente no sofá.
         “Ok crianças, vamos para a nova aventura de vocês! A nave está pronta!”. Algumas risadas tímidas seguiram a piada de Tio Ben, ele bem que tentou disfarçar a tensão, mas ela estava no ar. Era tão forte que quase chegava a ser palpável.
         Entramos no carro, já estava ligado. Uma leve nuvem de sereno cobria a noite. Saímos pela estrada, não havia absolutamente ninguém na rua, provavelmente a estação também estaria quase vazia. Ao dobrarmos em uma esquina, já próximos á estação, percebi um carro escuro logo atrás. Eu não conheço muito sobre carros, mas aquele parecia ser bem caro. Não se via nada através dos vidros, e a noite escura também não ajudava.
         Chegamos á estação e, como eu previa, pouquíssimas pessoas estavam lá, a maior parte já estava dentro do trem. Descemos do carro e pegamos a bagagem. Chris olhou em volta com uma ruga de preocupação na testa, parecia que ele sentia o mesmo que eu, um pouco de alegria, misturado com o medo de sempre.
         Ele pediu que eu entrasse no trem, disse que logo entraria, só iria terminar de descarregar as bagagens junto com Tio Ben. Eu dei um abraço nele e fui me despedir do Tio, abracei-o fortemente, ele correspondeu.
         “Deseje-nos sorte, vamos precisar. Sinto que não será fácil tirar mamãe de lá.”, pedi á ele.
         “Claro minha querida, boa sorte. Use de todos os seus encantos e truques para convencer Caroline, ela sempre cede aos encantos dos filhos não é mesmo!” Tio Ben sempre espirituoso.
         Eu subi, e me sentei perto de uma janela, pela qual podia ver Chris colocando as malas no trem.
         Ouvi um barulho muito forte, Chris se levantou para olhar pra trás. O fiscal do trem correu para dentro, e as portas do trem se fecharam. Uma agitação começou, as poucas pessoas que estavam ali, gritavam e corriam apavoradas. Tio Ben estava caído no chão, havia sangue em volta dele. Chris correu até o local, se ajoelhou ao seu lado.
         Eu queria descer, eu estava em pânico. O fiscal me segurou com força. Meu Deus eu precisava ir até lá!
         De repente um homem de casaco preto veio até Chris, logo atrás dele outros dois, igualmente bem vestidos com ternos pretos trataram de pegar Chris pelos braços e o levaram até o carro preto que nos seguia pouco tempo atrás pelas ruas da cidade. O que eu poderia fazer agora?
Meu desespero tomou conta de mim, percebi que a voz do fiscal ficava cada vez mais distante, as coisas pareciam confusas, eu não via mais nada. O que estava acontecendo comigo...

Parte 13
         Uma luz muito forte batia no meu rosto, eu conseguia perceber, mesmo de olhos fechados. Depois de muito esforço consegui abri-los.
         “Ela está bem, não há nada de errado. Trate de cuidar daquele senhor. Foi apenas de raspão, mas temos que nos certificar.”
         Outra voz um pouco mais baixa, acho que estava mais longe, dizia algo sobre um rapaz desaparecido.
         “O que está acontecendo? Onde estão Chris e Tio Ben?” Minhas palavras saíam enroladas, parecia que não faziam muito sentido.
         “Calma garota, todos estão bem! Aquele senhor é seu tio?”
         Um homem falava comigo, um completo estranho me fazendo perguntas, muitas pessoas se movimentando atrás dele. Então eu só podia constatar que aquilo tudo era real, o tiro, e os homens levando Chris, não foi um sonho.
         “Sim, ele é meu Tio! Como ele está? E Chris, ele é meu irmão, o que aconteceu com ele?”
         O homem me pedia calma. Ele se apresentou como policial Steve Jordan, disse que Tio Ben estava ferido, mas só de raspão, a bala havia atingido uma de suas costelas. Steve disse que segundo algumas pessoas que viram, três homens levaram Chris para um carro preto, e saíram em disparada.
         “Jordan, encontraram! Está ferido, mas vivo! Estamos indo até lá!”. Gritou um policial correndo até a viatura junto com outros dois.
         “Escute garota, Samantha não é! Eles saíram para buscar seu irmão, parece que ele está bem, então fique aqui e tente se acalmar.”
         Steve saiu, eu fiquei sentada. Eu estava dentro de uma ambulância, em cima de uma maca. Eu tentava entender tudo que estava acontecendo, e de repente me veio uma luz. Eu conhecia um daqueles homens, era amigo de papai. Eles iam juntos á um cassino numa cidade próxima á Ames. Eu precisava contar isso aos policiais. Eu sabia, papai não ia deixar barato o que aconteceu naquela noite.
         Minha cabeça ainda girava, eu precisava me concentrar, unir os fatos e descobrir logo o que estava acontecendo. Será que o sumiço das cartas estava ligado á isso. A única forma de descobrir era indo até mamãe, o mais rápido possível.

Parte 14
         Alguns instantes depois Tia Mad já estava ao meu lado, dois policiais nos levaram até em casa e prometeram voltar depois para fazer um interrogatório. Contei á ela tudo que eu havia constatado na ambulância. Ela ficou apavorada, mas acreditava assim como eu, que papai devia estar envolvido nisso. Alice estava em estado de choque, e por mais que tentássemos acalmá-la, ela não parava de chorar. Tia Mad deu um calmante á ela, e ainda demorou muito até que dormisse.
Titia ligou para o hospital, perguntando como Chris estava. Parecia que ele estava bem, e ia sair logo. Segundo os policiais, os homens que eu vi na estação haviam levado Chris á uma rua deserta, e o agrediram. Saíram, e deixaram-no jogado na calçada com um bilhete. A moça do hospital disse a Tia Mad que os policiais haviam saído dali a pouco tempo, e que viriam pra cá, trazendo o bilhete, e também para fazer algumas perguntas. Ela perguntou também por Tio Ben, a moça disse que ele estava sob efeito de sedativos, por causa da dor, mas ia se recuperar. Demoraria um pouco mais do que Chris para ter alta, mas seu estado já era estável.
Falei a Titia que eu precisava ir até a casa da mamãe e descobrir afinal o que estava acontecendo. Eu só precisava saber o que aconteceu com as cartas, e porque aquele amigo do papai tinha feito isso com Chris.
Tia Mad imediatamente se posicionou contra. Depois do que aconteceu ela me proibiu terminantemente de sair de casa por tempo indeterminado. Isso atrapalharia muito meus planos, vi que talvez essa fosse a hora de pôr em prática algumas coisas que mamãe não havia me ensinado, mas que eu aprendi depois de algum tempo convivendo com papai. Mas meus planos precisavam mesmo esperar, os policiais estavam tocando a campainha.
Eles entraram, e Tia Mad os ofereceu café e biscoitos, bastante acolhedora como sempre. Sentaram-se no sofá, a nossa frente e começaram a perguntar muitas coisas. Tia Mad me pediu que contasse á eles com detalhes tudo que havia acontecido na noite anterior á nossa viajem, e também tudo que havia constatado sobre os homens da estação. Não disse á eles sobre meus planos de ir até mamãe, e Titia também não tocou no assunto. Eles recomendaram que nenhuma de nós saísse de casa, e deixaram um policial á nossa disposição, para o caso de precisarmos de alguma coisa.
Realmente, seria bem difícil sair de casa sem que Tia Mad, nem o policial me visse. Mas eu precisava fazer isso o quanto antes.

Parte 15
         O policial saiu dizendo que viria novamente pela tarde, para novas perguntas. Já estava quase amanhecendo, eu não dormia direito há bastante tempo, e já estava sentindo isso. Tia Mad e eu tomamos uma xícara de chá, eu fui até meu quarto, e simplesmente desabei na cama. Apaguei na mesma hora, um sono profundo e sem sonhos.
Acordei me sentindo bem, bastante descansada. Tive de parar um pouco, e pensar se tudo aquilo realmente havia acontecido. Olhei no relógio e percebi que já passavam das duas da tarde, lembrei-me do policial que viria.
Tomei um banho rápido, e fui até a cozinha, Tia Mad estava dormindo ainda, e Alice estava sentada no sofá vendo televisão. A notícia do incidente passava em todos os canais. Percebi que ela não estava ouvindo nada, estava longe, creio que, mesmo sem saber de todos os fatos, Alice sentia que papai poderia estar metido nisso. Comecei a preparar um café, e lembrei-me de mim mesma, á dois anos atrás, quando tinha a idade atual de Alice. Meus sonhos eram diferentes, as esperanças também. Tudo que eu mais queria era ver papai e mamãe bem, como uma família feliz. Lembro-me da minha primeira briga na escola por causa de papai. Uma menina o havia visto bêbado pelas ruas em plena tarde de sábado, e quando chegou á escola, na segunda-feira, jogava constantes indiretas á respeito dele, todas direcionadas á mim, claro. Recordo-me de ter ficado extremamente furiosa com tudo aquilo, e o que mais me deixava com raiva era saber que nada daquilo era mentira. Realmente, meu pai era um canalha! Em um dado momento, eu simplesmente não aguentei as provocações, eu fui até ela. Começamos um bate boca, logo havia vários alunos á nossa volta. Durante muito tempo, Chris havia me ensinado a brigar, provavelmente ele sabia que um dia eu iria precisar- posso apostar que ele pensava em papai. Não pude resistir á tentação, fechei a mão e dei-lhe um soco, tão forte que senti meus dedos doerem. Ela caiu, e ficou no chão, senti uma vontade imensa de pular nela, e repetir o ato várias vezes, seria minha vingança. Mas eu percebi que não estaria me vingando dela, eu estaria me vingando de papai. Na mesma hora, eu parei, e percebi quem era meu pai. Daquele dia em diante eu percebi que nunca haveria uma família feliz, enquanto papai estivesse nela!
Voltei de meus pensamentos, percebi que o café já estava pronto na cafeteira, Alice continuava exatamente como antes. Olhei pela janela, e vi dois policiais. Eles se cumprimentaram, um deles- que já estava ali desde a madrugada- entrou no carro e saiu, e o outro ficou em seu lugar. Encontrei naquele nicho a minha única chance.

Parte 16
         Ofereci um café á Alice, ela não falou, só balançou a cabeça em sinal negativo. Subi as escadas lentamente pensando em mamãe, e em como eu estava realmente desesperada para vê-la!
Organizei algumas roupas em uma mochila pequena, ainda me restava um pouco de dinheiro, acho que seria o suficiente pra ir até mamãe, e suprir algumas necessidades. Agora eu precisava descobrir sutilmente qual seria o horário da próxima troca de policiais.
Quando saí do quarto, percebi que Alice estava no banho. Tia Mad continuava dormindo, desci as escadas e fui até a cozinha, peguei alguns biscoitos e servi outra xícara de café, coloquei em uma bandeja e fui até a varanda. O policial me cumprimentou, e se apresentou como Nick Cohen, ele era alto, tinha olhos claros em um tom de verde. Seus cabelos eram bem escuros e contrastavam com sua pele branca. Eu ofereci o lanche, ele sorriu e aceitou, seu sorriso era lindo. Me apresentei, e nós nos sentamos na escada. Perguntei á ele o que fazia para passar o tempo completamente sozinho.
“Eu fico observando as pessoas que passam, fico imaginando o que se passa na mente delas. Cada uma tem sua história, seus problemas, suas alegrias, e talvez suas paixões escondidas.” Nós rimos.
Conversamos por bastante tempo. Eu perguntei á ele quando viria o policial para o interrogatório de hoje, e ele me disse que já não seria mais necessário ao menos por enquanto. Aproveitei o assunto e perguntei quando ele trocaria de turno com o colega.
“Eu acho que pela madrugada, próximo á uma talvez! Mas por que você quer saber?” Ele desconfiou.
“Por nada, só achei que talvez fosse gentil da minha parte oferecer algo para o jantar!”
Ele sorriu novamente, eu sorri com ele. Encontrei minha rota de fuga.

Parte 17
Quando entrei, Tia Mad estava na cozinha. Ela me olhou com um sorriso no canto da boca, como se soubesse de algo a meu respeito. Eu respondi seu olhar com indagação, ela então se virou e continuou preparando o jantar. Fui até meu quarto, e deixei tudo preparado, sentei-me na escrivaninha, peguei um pedaço de papel e escrevi um bilhete carinhoso á Titia, para que ela não pensasse que eu fui sequestrada ou algo assim. Com certeza ela teria a mesma imaginação de mamãe! Deixei o bilhete em baixo de meu travesseiro, depois escolheria um lugar melhor.
Desci, e fui ajudá-la. Disse que havia conversado com o policial Nick, contei sobre a tarde toda, e comentei que o havia convidado para jantar. Ela me olhou e sorriu.
“Muito bem, parece que temos alguém aqui que está apaixonada!” Aquilo me fez corar, eu sentia meu rosto vermelho.
“É claro que não, eu só quis ser gentil, imaginei o quanto deveria ser entediante passar o dia ali, olhando. Vigiando algo, prestando atenção em qualquer coisa, em uma ameaça que nem sabemos se existe.”
Titia percebeu o quanto fiquei incomodada, e tentou não tocar no assunto, mas eu podia sentir seus risinhos abafados. Eu me prendia ao pensamento de que tudo era pela mamãe.
Depois de pôr a mesa, com um prato á mais, Tia Mad me pediu para chamá-lo. Eu me senti extremamente envergonhada, mas fui, como se nada estivesse acontecendo.
“Nick, o jantar está pronto, gostaria de se juntar á nós?” perguntei tentando ser simpática, e segurando a vontade de sair correndo. Ele abriu seu lindo sorriso, e acenando a cabeça aceitou meu convite.
Entramos, e eu o apontei um lugar á mesa. Ele se sentou, eu percebi que estava um pouco envergonhado- muito compreensível. Alice e Tia Mad sentaram-se de modo que fui obrigada á ficar ao lado de Nick. Eu sabia que da parte de Alice não havia sido intencional, mas Titia sim.
Aos poucos o clima tenso foi se perdendo. Tia Mad, sempre carinhosa, começou a puxar alguns assuntos e logo a conversa estava animada. Quando acabamos o jantar eu me dirigi á cozinha com a louça, e Nick se ofereceu para me ajudar, em troca do jantar maravilhoso, segundo ele. Nick não tinha ideia do que estava fazendo, Tia Mad prontamente aceitou pro mim. Ela e Alice foram para a sala e nos deixaram lavando os pratos. Eu admito, Nick era bonito, mas eu não conseguia pensar em mais nada nesse momento á não ser ir até mamãe trazê-la de volta. Eu nunca fui muito aberta com garotos, na verdade eu nunca tive um namorado. Eu sempre fui considerada rebelde, e isso afastava os “bons partidos”. Mamãe sempre me disse que um dia eu ia encontrar alguém que fizesse meu coração bater mais forte, e minhas mãos suarem frio. Um dia perguntei á ela se sentia isso com o papai, ela saiu chorando e nunca me respondeu.
Nick e eu conversamos pouco, rimos de algumas coisas. Ele era bastante atrapalhado com a louça, era engraçado. Quando acabamos ele se despediu, e voltou ao seu posto perto da varanda. Sentei-me no sofá, de frente para a janela. Eu podia vê-lo, andava de um lado para o outro. Como já estava tarde, não passava ninguém na rua, o que significava que ele não teria a quem observar. Alice me deu boa noite, ela já parecia melhor, logo depois Tia Mad também subiu e resmungou alguma coisa como território livre, eu fingi que não tinha escutado. Continuei observando Nick, percebi que ás vezes ele olhava pela janela, mas ele não podia me ver por causa da cortina, eu mesma só via sua silhueta se movendo de um lado para outro, e percebia os movimentos de sua cabeça olhando pra dentro da casa. Subi até meu quarto, pensando sobre o que Tia Mad havia me dito á respeito de Nick. Isso era loucura.

Parte 18
         Eu já estava impaciente, eram 01h20min e Nick ainda estava parado lá. Esperei tanto tempo, nem sabia mais o que inventar para fazer. De repente ouvi ruídos vindos do rádio da viatura, Nick foi até lá e falou alguma coisa, voltou, deu uma última olhada para a janela, como se buscasse alguém. Entrou no carro e saiu. Essa era minha chance!
Desci as escadas ás pressas, e passei correndo pela porta dos fundos. Corri o mais rápido que pude em direção á estação, eu já conhecia o caminho, não era muito longe. Alguns instantes depois eu já estava cansada, então parei de correr, observei atentamente para me certificar de que ninguém tivesse me visto. Continuei andando, agora já estava perto da estação, eu compraria as passagens e pegaria o primeiro trem até Ames, logo estaria com mamãe, e essas dúvidas iriam acabar. Cheguei á estação, bastante vazia como era de se esperar. Não pude deixar de lembrar da cena horrível da noite anterior, tentei afastar esse pensamento.
Subi no trem já com as passagens e me sentei sozinha. Minha mochila era pequena então coloquei-a no colo, comecei a pensar no que eu estava fazendo, o que Tia Mad ia pensar, será que ela ia encontrar o bilhete colado em minha porta. E Alice, como iria se sentir sem nenhum de nós dois por perto, nós que sempre a protegemos, agora largamos ela sozinha em meio á esta tempestade de acontecimentos. Eu já estava quase perdida em meus pensamentos quando percebi que alguém sentou ao meu lado. Era Nick.
“Eu tinha certeza de que você queria fugir, só não conseguia imaginar o porquê! Mas teremos bastante tempo até chegar em Ames não é?!” - Ele disse num tom divertido, nem parecia irritado pela minha fuga, mas sim, parecia bastante curioso.
Eu não sabia o que pensar, acho que fiquei pálida. Demorei um pouco para pensar no que dizer, e ele esperou pacientemente sem dizer uma palavra, parecia que ouvia meus pensamentos, era como se ele entendesse a minha confusão e soubesse que eu precisava de um tempo pra reorganizar as ideias.
Resolvi então que ele deveria saber exatamente a verdade. O trem começou a andar, e eu comecei a contar á ele tudo, desde o início.
Contei o porquê de nossa saída de Ames, e também lhe falei sobre as cartas que nunca chegaram. Disse á ele que conhecia um dos homens daquela noite, ele ficou bastante espantado, e demonstrou ter tirado as mesmas conclusões que eu á respeito do envolvimento de papai nessa confusão. Contei á ele um pouco da minha infância e dos meus irmãos, pra que ele entendesse o quanto nossa família havia tentado se reerguer, infelizmente sem sucesso. Acabei contando sobre mim, meus sonhos, minhas frustrações tanto com a família quanto com os garotos. Não sei como ele conseguiu que eu falasse tudo aquilo, sem nem se esforçar.
As palavras e as histórias iam saindo de minha boca como se eu visse nele um confidente, eu sentia como se pudesse ter certeza de que deveria confiar nele. Talvez eu estivesse mesmo precisando de alguém pra conversar, e Nick estava sendo um excelente ouvinte.

Parte 19
“Samantha, você lembra do bilhete que foi encontrado com Chris?”.
Claro, o bilhete! Foram tantos acontecimentos, que esse fato me passou batido!
“Nick, o que tinha lá?”. Ele puxou um pequeno papel amassado do bolso, e me entregou.
Dessa vez nós demos só um aviso. O dinheiro que pegamos de uma das cartas não paga nem o início da dívida daquele porco. Pensem bem, ou conseguem logo a grana, ou todos vão pagar pelas idiotices dele. Decidam...
Mas é claro, os donos do cassino! Por isso estavam tão bem vestidos naquela noite, por isso papai queria tanto dinheiro. Como pude deixar que isso tudo me escapasse!
Contei a Nick que eu conhecia um deles, e que sabia o porquê da cobrança da dívida. Nick disse que já imaginava. Nesse momento, senti um arrepio forte correndo pela minha espinha. Um aperto gigante no coração. Eu lembrei de mamãe lá, sozinha. Com certeza era á ela que eles iriam procurar agora.
“Sam, calma! Eu sei no que você pensou, mas tente ficar calma. Nós entramos em contato com a polícia de Dows e eles procuraram Caroline. Ela está bem, preocupada com os filhos é claro, mas está bem. Por isso eu não te impedi de fugir!”
Incrível, como tudo isso aconteceu, e eu não percebi nada!
Fiquei alguns minutos em silêncio, colocando os fatos em ordem, até que a curiosidade me fez questionar aquele policial.
“Nick, me conte sobre você! Eu já estou mais calma agora que você me falou de mamãe, mas me sinto confusa, como você conseguiu esconder tudo isso tão bem?”
Eu sempre pensei que pudesse ver nos olhos das pessoas seus sentimentos, suas verdadeiras emoções e pensamentos. Mas Nick conseguiu esconder tudo aquilo com tanta naturalidade, que eu já não sabia mais se poderia confiar nele.
Ele respirou fundo.
“Pois bem, agora é a minha vez não é?! Sam, eu percebi que você foi sincera comigo, então vou te contar tudo sobre mim. Vejo que não há motivos para esconder!”
Ele então começou a falar da sua infância, me contou sobre seus anseios, sobre os sonhos que tinha. Eu ouvi tão atentamente a cada uma de suas palavras, que nem mesmo vi o tempo passar. Ele contava cada fato, cada detalhe e me deixava cada vez mais fascinada a sempre que sorria. Havia algo diferente nele, e eu queria muito descobrir o que era!

Parte 20
         Nick disse que desde sempre teve o desejo de ajudar as pessoas, dedicando á isso toda sua vida. Por isso ele escolhera entrar para a militância. O desejo se tornou mais real depois de um acampamento realizado por jovens combatentes, onde ele, calouro, sentiu ainda mais a necessidade de iniciar-se nessa carreira.
Ele se especializou na área de investigação, aprendeu técnicas e truques para lidar com os mais variados tipos de pessoas. Realmente isso explicava a grande capacidade que ele tinha para ludibriar quem quer que fosse.
E conforme ele ia contanto, eu lembrava-me de algumas horas atrás, quando ele estava comigo, á mesa. Lembrava-me de tudo que conversamos, será que ele foi realmente sincero no que disse, ou eu era apenas mais uma pessoa que ele tentava enganar para tirar informações suficientes para seu "novo caso". Pensar nessa possibilidade me deixou muito incomodada. Ocorreu-me que talvez eu estivesse próxima demais de alguém que talvez não fosse tão amigável. Mas o que eu não conseguia entender, era porque o fato de ele querer me usar, ou talvez mentir pra mim, me deixava não só desconfortável, mas um tanto triste. Deixei minhas conclusões para mais tarde e voltei a prestar atenção ao que Nick dizia.
Ele foi comprar um café, e me ofereceu. Eu aceitei.
Quando ele saiu, eu fui até o banheiro, e vi o quanto me parecia com um zumbi, depois de tanto tempo sem dormir direito. Lavei o rosto e arrumei meus cabelos, procurei na mochila alguma coisa pra disfarçar minhas olheiras. Fiquei imaginando a que conclusão chegavam as pessoas, ao me verem naquele estado. Eu ri sozinha.
Quando voltei, Nick já estava lá. O cheiro do café me atraiu.
"Sam, venha logo! O seu já está quase frio."
Sentei novamente.
"Beba logo, já estamos quase chegando. Você tem algum casaco mais quente? Ainda é madrugada e vai estar frio quando descermos do trem!"
"Não, nem pensei nisso quando coloquei as roupas na mochila!"
Ele, gentilmente, me deu seu casaco. Eu aceitei, sabia que se me opusesse ele me faria vestir a força. Preferi poupar esse esforço.
Contentava-me saber que mamãe estava muito próxima agora. Eu a levaria dali de qualquer jeito, por mais que eu soubesse que era loucura deixar tudo para trás, a casa, todas as coisas que ela construiu, mas era impossível deixá-la ali. Pelo menos agora eu não teria que fazer isso sozinha.

Parte 21
         “Obrigada Nick! Não sei o que eu faria se não tivesse alguém comigo agora. Provavelmente estaria muito perdida!” Essas palavras saíram num impulso tão involuntário, que eu me espantei quando percebi que já havia dito.
         Ele me olhou, com um pouco de confusão, talvez não esperasse tal agradecimento.
“Por nada Sam. Esse é o meu dever. Mas sabe...tem uma coisa que eu queria lhe dizer!”
         Meu coração disparou e meus olhos encheram de água. O que é isso, o que está acontecendo? E essa borboleta idiota que não para de bater asas no meu estômago. Fale logo Nick, antes que essa angústia me consuma (eu pensei). “Sim, o que é?” - Foi só o que consegui formar em fala.
         “Você é uma garota tão diferente das tantas que conheci. Vejo que sempre procura ver além das pessoas, procura ver o fundo das almas, e não somente o que aparentam! Confesso que me impressionei com isso. Você chamou minha atenção, desde a primeira vez em que nos vimos. Mas...”
         Percebi que Nick procurava palavras, ele parecia ter medo do que ia falar. Mas eu agora olhava mais fundo suas expressões, talvez por não saber se ele estava sendo mesmo o “Nick” ou se estava sendo o “Investigador Profissional”.
         O apito do trem soou, o que significa que é a nossa parada! Eu olhava para Nick suplicante para que ele concluísse aquela frase.
         “Bem é aqui que descemos, é melhor conversarmos depois, temos muito o que fazer não é Sam!”
         Foi o que eu imaginei! Talvez seja melhor não saber o que ele diria. O que me importa agora é ver mamãe, nem acredito que já estamos quase chegando.
         Descemos do trem em silêncio, não havia bagagem, pois eu só levava minha mochila, assim como Nick. Ele andava cuidadosamente atrás de mim, imaginei que fosse pelo fato de não conhecer a cidade. Confesso que gostei da sensação de estar no meu “território”. Ao menos aqui eu teria a certeza de saber o que estava fazendo, e pra onde estava indo  .
         “Sam, a sua casa é perto daqui? Do contrário já podemos chamar um táxi!” Nick falava num tom calmo, me parecia calmo demais.
         “Podemos ir andando, é bem próximo. E também só há a família Thompson que faz esse tipo de serviço, até que um deles chegue aqui já estaremos na minha casa!” Meu comentário foi seguido de risos tímidos, o momento não permitia mais do que isso. Sentia minhas pernas trêmulas, por causa do cansaço, mas principalmente pela ansiedade em ver logo mamãe!
         “Sam, eles ainda são os únicos que têm táxi aqui em Dows? Da última vez que estive aqui, era o Sr. George Thompson quem comanda tudo! Ele ainda está vivo?”
         Aquilo que Nick estava dizendo passou como um tiro por meus ouvidos! Como ele conhecia a cidade, e não conhecia á mim!?
         “Nick, você já esteve aqui? Como pode ser...” Eu não encontrava palavras, fiquei parada na calçada, e ele me olhava como se acabasse de lembrar que isso era um segredo!
         “Sam vamos andando, por favor! Eu vou te contar mais algumas coisas sobre mim.”

Parte 22
       “Eu não sei se quero andar ao lado de um completo desconhecido!” As minhas palavras eram ásperas, duras. Talvez usando esse tom, eu pudesse esconder todo o medo que sentia por não saber mais o que pensar de Nick.
         “Sam, eu nasci aqui! Agora venha, vou te contar toda a história dessa vez. Eu prometo!” Eu via nos olhos dele um pouco de medo. Era como se ele estivesse olhando para algo frágil, prestes a cair no chão! Mesmo fazendo o possível para disfarçar, eu ainda podia ver!
         Os primeiros passos que dei foram lentos, mas eu tentava me concentrar no principal objetivo: Minha casa, minha mãe! Logo meus pés ficaram firmes, e meus ouvidos atentos. Nick tinha uma história para contar!
         “Ok Nick, pode começar então!” Ele me olhou, percebeu que a minha postura com ele havia mudado. Então prosseguiu.
         “Minha mãe engravidou muito nova, e eu nunca soube quem era meu pai, com certeza um canalha qualquer. Eu vivi em Dows até os meus sete anos, depois disso fui estudar em uma escola interna, bem longe desse lugar!”
         “Onde?” - Eu não consegui conter minha curiosidade.
Nick riu, e percebeu que eu ainda era exatamente a mesma!
         “Muito longe, na Europa! Mas o fato é que conheci muitas pessoas desse lugar, mas imagino que não sei nada sobre você porque talvez nem tivesse nascido ainda querida!”
         Ele me olhou com ternura, como se dissesse ”está vendo, eu sou legal!”. Realmente, ele não precisava de muito pra me desarmar. Samantha, pare com isso! Só posso estar louca.
         “Qual é a sua idade Nick?”
         “Vinte e três anos Sam!”
         “Oh, certo! Então se você foi embora quando ainda tinha sete anos, eu já havia nascido á dois anos!” Seguiram-se risos, mas logo eu parei. Estávamos na esquina da minha casa.
         Saí correndo, tinha a sensação de que minhas pernas não conseguiam acompanhar o ritmo que eu queria! Quando cheguei à porta, relutei por um momento. Aquilo tudo parecia tão irreal, todas essas coisas acontecendo em tão pouco tempo... Eu tinha quase que medo de abrir!
         Girei a maçaneta, estava aberta, entrei rápido e senti Nick logo atrás. Minha voz sumiu quando olhei a cena á minha frente! Foi a voz de Nick que traduziu o que eu não consegui exclamar.
         “O que aconteceu aqui!?”

Parte 23
         As coisas reviradas, tudo fora do lugar. Gavetas pelo chão, vasos quebrados, como se um vendaval tivesse passado por ali. Corri até o andar de cima, gritava por ela... Mas não houve resposta. Nada lá em cima estava fora do lugar, a única coisa que faltava era mamãe!
Senti um arrepio, uma dor rasgando meu peito... Toda minha corrida havia sido em vão.
Eu não tinha coragem para dar mais nenhum passo, como se todo meu cansaço recaísse sobre minhas costas naquele único instante que parecia eterno.
Senti Nick passando rapidamente por mim, e percebi que ele vasculhava tudo procurando por algo. Ouvi que ele falava com alguém, mas eu não estava totalmente presente ali. Era quase que como se eu pudesse observar fora de mim, algumas cenas antigas, como em um filme.
Eu a via. Seu lindo rosto, sempre tão calmo e sereno, por vezes inchado de tanto chorar... Mas sempre nos dando seu sorriso. Eu revivi cada conselho, cada abraço... Sentia as lágrimas que começavam a rolar, me sentia fraca. Desejei desesperadamente tê-la comigo agora pra me acalmar. Desabei chorando, e quando senti Nick se aproximar para me abraçar, calei.
Essa não era a hora de ser fraca, esse não era o momento de parar. Se ela não estava aqui, é porque eu ainda tinha alguma chance de encontrá-la. E jurei a mim mesma que faria isso á qualquer custo, pelos meus irmãos... Por todas as brigas que causei, e por tudo que ela fez por mim, pelo segredo que ela suportou todos esses anos.
“Nick, não é hora de sentimentalismo. Como um bom investigador me diga: O que fazemos agora?”
Ele me olhou espantado, podia sentir uma mudança repentina, uma força que aparecia em meus olhos, que acendia como se fosse uma chama queimando, sendo alimentada por meu desejo.
Ele havia percebido que a dimensão daquele caso estava se alargando, e mesmo percebendo o perigo, entendeu que não seria capaz de me afastar daquilo.
“Ouça Sam, com a experiência que tenho posso dizer com certeza que você precisa se acalmar e pôr a cabeça no lugar primeiro...”
“Nick, - Eu o interrompi. – eu me sinto calma. Quero que me diga o que fazer agora. Não me trate como criança, você sabe que eu não sou. Diga, qual o primeiro passo. Não quero perder tempo, ok!”
Sam suspirou, seus ombros relaxaram. Ele fechou os olhos por alguns segundos, tentando “engolir” minhas palavras tão frias, e que para ele pareceram surpreendentes. Olhou em volta, e parou seus olhos em mim.
“Bem, o primeiro a fazer é vasculhar o local. Procurar pistas, qualquer indício de quem esteve aqui. Mas temos que tentar modificar o mínimo de coisas possíveis! Tente observar sem mexer em nada!”
Apesar de sentir ainda aquele buraco e aquela sensação de derrota, eu tentei me concentrar. Pensei em como as coisas estariam antes, como de costume. A cama e o restante do quarto estavam em perfeita ordem. Impecável, como sempre, mamãe mantinha tudo organizado. Então imaginei que nada tivesse ocorrido por ali, já que o maior sinal da passagem de alguém estava na sala.
Nick falava no telefone, imagino que com algum policial pelo tipo de vocabulário que usava. Confesso que não entendi quase nada! Andei com calma em direção ás escadas, com olhar atento em tudo ao meu redor. Desci os degraus ainda observando, vi algo branco... Um lenço mal dobrado no chão!
“Nick, eu encontrei algo! O que faço?”
Nick veio até o meu lado, pegou seu celular e tirou uma foto. Depois pegou o lenço, sem perceber nada de anormal, me perguntou se eu via algo. Eu observei, e vi as inicias K.S., e logo soube dizer á quem pertencia aquilo.
“Kevin Sailer, meu pai.”

Parte 24
       “Samanta, precisamos saber se ele ainda está no hospital! Logo chegarão os policiais daqui, e junto com eles vou observar melhor o lugar e ver o que mais posso encontrar. Enquanto isso, porque você não vai para a casa de alguma amiga, e se desliga um pouco disso tudo?”
         Apesar de imaginar a ligação de meu pai com isso tudo, ver com meus próprios olhos as provas, ainda me deixou um pouco abalada. É aquela velha esperança que a gente sempre guarda de que tudo pode ser só fantasia da nossa cabeça.
         “Nick, eu não quero sair daqui, não quero descansar...”.
         “Eu entendo Sam, mas você vai nos ajudar bem mais se afastando um pouco e nos deixando trabalhar! Com certeza mais tarde vamos chama-la e você ficará a par de tudo. Eu prometo!”
         Seus olhos me fitavam com ar suplicante, como se quisesse me manter longe de tudo e de todos, para me proteger. Ele falava com voz firme, em tom alto, mas mesmo assim eu sentia uma grande ternura em cada palavra. Suas mãos seguravam firmes em meus braços, e me assustou ver aquela atitude. Mas eu o abracei, respirei fundo, e me senti feliz por ter alguém pra me segurar no meio daquilo tudo.
         Não sei dizer o que Nick sentiu, mas ele retribuiu o abraço em mesma intensidade. Foram os meus únicos segundos de calma, depois de dias inteiros de angústia. Quando nos afastamos, eu já me sentia melhor, as coisas já não pareciam mais tão horríveis.
         Comecei a pensar em algum lugar pra ficar, por algumas horas que fossem. Eu nunca fui muito popular, então mesmo Dows sendo uma cidade tão pequena, ainda assim eu tinha contato somente com uma pessoa: Karen.
         “Ok Nick, então eu vou! Mas me prometa que vai me avisar de tudo. Não quero perder nenhuma chance de encontrar mamãe, não importa onde ela esteja ou o que possa ter acontecido, você me entende?!”
         Ele sabia o que eu queria dizer, e compreendeu. Balançou a cabeça em sinal positivo, com expressão indecifrável. Eu não sabia dizer se ele estava com medo, confiante... Eu não conseguia compreender, e nem imaginar o que estava se passando em sua cabeça naquele momento. Isso me deixava angustiada. Mesmo assim dei as costas, e fui andando. Havia um policial na porta, era um dos que nos ajudaram na noite em que esse pesadelo começou.
         “Olá Sam! Onde você está indo?” – Perguntou com ar de compaixão.
         “Vou ficar na casa de Karen por algum tempo, Nick pediu que eu me afastasse... Vocês precisam trabalhar!”
         “Ele está certo querida! Acalme-se, tudo ficará bem. Vamos encontrar sua mãe!”
Aquele policial me olhava como se visse uma criança assustada, e talvez era isso mesmo que eu estava sendo neste momento.
         Não respondi nada á ele, só continuei andando. A casa de Karen não era longe dali, só algumas ruas. Fiquei pensando um pouco no que fazer agora. Eu precisava saber o que fazer quaisquer que fossem as notícias de Nick. Não me agradava nada não ficar por perto, acompanhando tudo que estava acontecendo, mas eu também só atrapalharia ficando lá.
         O que mais eu podia fazer... Talvez rezar! Nunca fui muito religiosa, mas enfim. Dizem que Deus está sempre conosco, então... É com ele que vou falar. Mudei meu rumo e segui em direção á igreja, talvez lá as coisas ficassem melhores dentro de mim.
         Logo que cheguei, vi que havia somente uma pessoa. Uma mulher de cabelos longos, ruivos. Ela estava sentada onde mamãe costumava ficar. Lembrei que ela sempre me dizia pra rezar, porque se um dia ela não estivesse ali pra cuidar de mim, Deus ia me proteger.
         Será que esse Deus tem as respostas que eu preciso agora. Sentei no último banco, baixei a cabeça e me concentrei em algumas orações que mamãe insistiu pra que eu decorasse, e agora até faziam sentido. Quando dei por mim, a mulher ruiva estava parada de pé ao meu lado!
         “Samantha! Porque você está aqui na cidade?”
        

Nenhum comentário:

Postar um comentário